27/03/2020 16:51 – Luis Emilio: Corrigido:
É tempo de refletir e a minha primeira reflexão é: qual é o tempo que não seja de refletir?
Como Nação, não temos o direito de agir irrefletidamente, mas é o que temos feito. E isso nos têm trazido repetidas vezes a situações em que nos vemos frente a escolhas difíceis.
Devemos ter em mente que as opções não surgem do nada; cada escolha determina nossas opções futuras e cada opção que temos no presente é determinada por nossas escolhas passadas.
Cada vez que nos deparamos com escolhas difíceis, em que as opções são igualmente dolorosas, podemos admitir que isso se deve a decisões erradas anteriores ou podemos nos considerar vítimas das circunstâncias, de fatores externos, imprevisíveis.
A segunda opção vem junto com a atitude de continuar agindo irrefletidamente.
A primeira comporta a armadilha de, ao invés de analisar profunda e imparcialmente o encadeamento dos fatos pretéritos, tão somente buscar culpados no passado imediato.
O fato é que somos um país extremamente vulnerável. Qualquer espirro do outro lado do mundo põe em cheque a capacidade do nosso sistema de saúde; qualquer gripinha ou resfriadinho revela nossa falta de educação, solidariedade humana, espírito coletivo e coesão social; qualquer marolinha no preço internacional das commodities demonstra a fraqueza de nossa economia.
Chegamos a este momento em que temos que escolher entre reduzir a atividade econômica ou colocar em risco a vida de parte da população, principalmente daqueles que hoje já não fazem parte da população economicamente ativa.
Para os que defendem a segunda opção, a escolha é mais fácil: de um lado, preservar a atividade econômica; do outro, preservar a vida da parte da população que não colabora tanto mais para essa atividade econômica. A conta é ainda mais fácil. Trata-se de medir o PIB. As vidas perdidas também entram na conta, mas com sinal positivo, aliviando os gastos com uma parcela da população que já não produz tanto.
Entretanto, ainda que provem na ponta do lápis que a melhor opção para viabilizar o país economicamente, para reduzir a crise e acelerar a retomada após ela, afirmo que a decisão ética, neste caso, não pode ser pautada numa visão de futuro, e sim num ajuste de contas com o passado.
Não podemos mudar o passado, mas não devemos nos esquivar de pagar pelos erros que cometemos. E o preço não pode ser pago com vidas humanas, ainda que sejam vidas já quase totalmente vividas. Há de ser pago com o sacrifício futuro dos que sobrevivermos e a força moral que precisaremos para tanto, e que está a se forjar hoje, estará seriamente comprometida se tivermos que carregar a culpa de aceitar o risco de abreviar um dia que seja da vida de nossos pais e avós.
………
Publico aqui este que foi um dos primeiros textos que escrevi para expor minha preocupação com o rumo que a crise da pandemia causada pelo coronavírus apontava.
De certa forma, estou preso nesta reflexão desde então e procurarei organizar ideias, buscando refúgio na lógica e no bom senso (que infelizmente, é constantemente superado pelo senso comum).
É a única forma que enxergo de fazer frente à descrença, à impotência, à desconfiança, às incertezas e às animosidades que campeiam apocalipticamente entre a pandemia e a pandemídia.
“qual é o tempo que não seja de refletir?”. Essa pergunta é muito boa, minha resposta é “nenhum”. Pode estar tudo bem, no marasmo, nada acontecendo de importante que também é um tempo para se refletir. Belo texto.
CurtirCurtir
Bem-vindo, K-Pax, obrigado!
CurtirCurtido por 1 pessoa