O TRABALHO – Pt.1


investigação sob uma ótica evolucionista

surgimento

Podemos identificar o processo evolutivo da raça humana, sem aprofundar a especulação sobre suas causas ou a investigação sobre os mecanismos que o tornam possível, com a diversificação e crescente complexidade das atividades que consegue executar.

Hoje a palavra trabalho aplica-se a uma vasta gama da atividade humana: tanto é usado para designar o trabalho braçal (labor, em latim), quanto o trabalho artístico e intelectual (opus); tanto trabalho remunerado quanto trabalho voluntário; tanto o trabalho subqualificado, informal e mal pago quanto o trabalho formalizado e protegido sob as leis trabalhistas ou estatutos do serviço público.

Trabalho infantil, trabalho escravo, prostituição, ainda que mazelas, não deixam de participar do conceito de trabalho, assim como a prática desportiva, religiosa, política, artística.

À parte as atividades relacionadas ao ócio, ao lazer e a cuidados pessoais, apenas àquelas atividades manifestamente ilegais nega-se a denominação de trabalho, em que pese o profissionalismo, o empenho, a expertise, a dedicação e a habitualidade dos que a elas se entregam.

Mas podemos imaginar um estágio inicial em que todas as atividades de nossos ancestrais representavam esforços de sobrevivência, incluindo busca de alimentos, proteção contra intempéries e outros animais e reprodução, esta última entendida como sobrevivência não do indivíduo, mas da espécie.

Por “nossos ancestrais” não me refiro especificamente aos primeiros hominídeos a se destacarem dos outros primatas, ou dos primeiros primatas, ou primeiros mamíferos, ou vertebrados, mas a qualquer ponto em que retornemos na cadeia evolutiva.

Os primeiros seres vivos e os que os seguiram, durante bilhões de anos, consumiam os recursos basicamente no estado em que eram encontrados na natureza, sem aplicar-lhes qualquer transformação externa significativa. Tampouco os utilizavam na obtenção de outros recursos, ou seja, como ferramentas.

Ao começar a modificar os recursos naturais de modo a torná-los mais disponíveis, abundantes, úteis e adequados às suas necessidades, nossos ancestrais dão início à era tecnológica. Cada melhoramento introduzido garantia uma vantagem evolutiva, realimentando de alguma forma e acelerando o processo.

Esta é uma mudança significativa nos mecanismos da evolução: além da interação passiva com o meio ambiente, que resulta em modificações lentas nas espécies, passa a existir uma interação ativa, que explica a aceleração do processo evolutivo da raça humana.

Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a diversificação das atividades liberta nossos antepassados, de certa forma, da luta constante pela sobrevivência, cria as condições para toda a sorte de exploração da capacidade de realização alheia e expropriação de recursos acumulados por outrem.

Explico melhor. A luta pela sobrevivência, grosso modo, igualava os indivíduos. Os recursos obtidos eram imediatamente consumidos. Se fossem escassos, poderiam ser objeto de disputa e expropriação. Se fossem abundantes, eram compartilhados, para não se perderem. Alguns só eram conquistados por meio do esforço coletivo.

Relações de competição e de cooperação emergem nesse cenário, e também evoluem, passando a constituir as complexas relações sociais que caracterizam as comunidades humanas, mesmo as primitivas.

A busca por excedentes, plenamente justificável pela ótica da garantia da sobrevivência, dá origem à necessidade de proteger esse excedentes, à cobiça, ao roubo, à ganância, à Economia, em síntese.

Nesta visão, o trabalho se origina na medida da diferenciação das atividades a que se entrega um ser humano para garantir a sua sobrevivência e do seu grupo familiar frente aos demais e dos resultados, qualitativa e quantitativamente apreciados dessas atividades.

Em outras palavras, a atividade humana só passa a ser considerada trabalho se gerar excedentes ao imediatamente consumível e se o resultado do esforço for qualitativa ou quantitativamente diferente a depender de quem o empreenda. Somente nessas condições cria-se o gradiente necessário aos fluxos de recursos que o caracterizam.

KARL X CHARLES Pt. 1


Durante cerca de 64 anos, de 1818, nascimento de Marx, a 1882, morte de Darwin, o mundo contou com a presença simultânea de dois dos maiores pensadores de sua história.

Ousaram dar explicação a temas de abrangência universal: um, à diversidade de formas de vida existentes no planeta; outro, à diversidade de formas que a sociedade humana pode assumir.

Independentemente de qualquer análise crítica, as teorias, propostas na segunda metade do século XIX, tiveram impacto imediato e fizeram sentir sua força ao longo do século seguinte.

Poder-se-ia supor que os modelos propostos revelassem semelhanças, afinidades, legitimação mútua. Poder-se-ia esperar que houvesse contatos, colaboração, comentários recíprocos, não apenas entre seus formuladores, mas também entre seus seguidores.

Em algum momento, Marx chegou a vislumbrar nas teorias darwinistas uma fundamentação na chamada História Natural para sua concepção materialista dialética da História (Humana).

Darwin, ao contrário, não parece ter se impressionado ou particularmente interessado pelas teses marxistas. Talvez porque não pensasse a evolução das espécies como um aperfeiçoamento inevitável, em uma direção previsível, em um processo de certa forma predeterminado. Preferia o termo “seleção natural”, como no título de sua obra máxima: “A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural, ou Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida”

Por esse motivo, dou preferência ao termo “darwinismo”, evitando a conotação algo positivista do termo “evolucionismo”

O desenvolvimento e os desdobramentos do pensamento de cada um seguiu caminhos próprios, não resultando em síntese ou confronto significativos.

Atualmente, o poder explicativo das teses marxistas encontra-se debilitado pelo fato de que, apesar de amplamente debatidas, revistas, reformuladas, seja no seio acadêmico, seja no campo político e ideológico, não terem incorporado respostas para o fracasso histórico do socialismo real.

Já o darwinismo, apesar de amplamente difundido como visão de mundo subjacente às sociedades modernas, ressente-se de não ser levado às últimas consequências, por ter ainda que coexistir, na consciência coletiva, com a visão de mundo criacionista.

A esse respeito, ressalto que a dificuldade acometeu o próprio Charles Darwin: abandonar o criacionismo sem abandonar a ideia da necessidade de existência de um ser criador.

Admitindo não ter conhecimento profundo de uma ou outra obra, pretender fazer uma crítica ao pensamento marxista a partir de uma ótica darwinista é, sem dúvida, uma grande ousadia.

Ainda maior por acreditar estar suscitando questões que, apesar de me parecem óbvias, inclusive em suas consequências, reputo inexplicavelmente inéditas.