Arquivo da tag: Evolucionismo

KARL X CHARLES Pt. 2

Admitindo não ter conhecimento profundo de uma ou outra obra, pretender fazer uma crítica ao pensamento marxista a partir de uma ótica darwinista é, sem dúvida, uma grande ousadia.

Ainda maior por acreditar estar suscitando questões que, apesar de me parecem óbvias, inclusive em suas consequências, reputo inexplicavelmente inéditas.

Darwin e Marx apresentaram novas formas de enxergar o mundo.

Por óbvio, não tiraram suas ideias do nada, pelo contrário, estudaram exaustivamente os que os precederam e também participaram ativamente da comunidade científica e dos debates, em suas respectivas áreas de interesse.

Conseguiram trazer originalidade e consistência em suas proposições, sintetizando robustos corpos de conhecimento, marcos referenciais para o desenvolvimento posteriormente observado.

Ao aplicar o método dialético ao materialismo histórico, Marx chegou a uma visão que ainda se sustenta: o modo como, em determinado momento histórico os fatores de produção (matérias primas, força de trabalho, ferramentas, processos produtivos, conhecimento acumulado) se relacionam para propiciar a atividade econômica (transformação e circulação de recursos) traz em si próprio as contradições (inconsistências, insustentabilidade face ao aumento populacional ou ao esgotamento de recursos, dificuldades tecnológicas, interesses divergentes) que implicarão em sua superação.

Partindo do conhecimento diacrônico de outras sociedades, alguns historiadores europeus já haviam abstraído uma nova concepção da História, calçada nas regularidades observadas. A História deixa de ser uma crônica das dinastias, dos personagens ilustres, das batalhas épicas e dos feitos heróicos, escrita com propósitos quase sempre laudatórios.

A observação de padrões nos acontecimentos registrados em um número cada vez maior de civilizações com que os europeus faziam contato em sua expansão global acendeu a ideia de que, a exemplo do que acontecera com o conhecimento do mundo natural, também as sociedades humanas regessem-se por leis atemporais.

Deduzí-las, enunciá-las, fundamentá-las e comprová-las passou a ser a obstinação, o Santo Graal, a razão de ser e a afirmação das ainda incipientes Ciências Sociais.

O TRABALHO – Pt.1


investigação sob uma ótica evolucionista

surgimento

Podemos identificar o processo evolutivo da raça humana, sem aprofundar a especulação sobre suas causas ou a investigação sobre os mecanismos que o tornam possível, com a diversificação e crescente complexidade das atividades que consegue executar.

Hoje a palavra trabalho aplica-se a uma vasta gama da atividade humana: tanto é usado para designar o trabalho braçal (labor, em latim), quanto o trabalho artístico e intelectual (opus); tanto trabalho remunerado quanto trabalho voluntário; tanto o trabalho subqualificado, informal e mal pago quanto o trabalho formalizado e protegido sob as leis trabalhistas ou estatutos do serviço público.

Trabalho infantil, trabalho escravo, prostituição, ainda que mazelas, não deixam de participar do conceito de trabalho, assim como a prática desportiva, religiosa, política, artística.

À parte as atividades relacionadas ao ócio, ao lazer e a cuidados pessoais, apenas àquelas atividades manifestamente ilegais nega-se a denominação de trabalho, em que pese o profissionalismo, o empenho, a expertise, a dedicação e a habitualidade dos que a elas se entregam.

Mas podemos imaginar um estágio inicial em que todas as atividades de nossos ancestrais representavam esforços de sobrevivência, incluindo busca de alimentos, proteção contra intempéries e outros animais e reprodução, esta última entendida como sobrevivência não do indivíduo, mas da espécie.

Por “nossos ancestrais” não me refiro especificamente aos primeiros hominídeos a se destacarem dos outros primatas, ou dos primeiros primatas, ou primeiros mamíferos, ou vertebrados, mas a qualquer ponto em que retornemos na cadeia evolutiva.

Os primeiros seres vivos e os que os seguiram, durante bilhões de anos, consumiam os recursos basicamente no estado em que eram encontrados na natureza, sem aplicar-lhes qualquer transformação externa significativa. Tampouco os utilizavam na obtenção de outros recursos, ou seja, como ferramentas.

Ao começar a modificar os recursos naturais de modo a torná-los mais disponíveis, abundantes, úteis e adequados às suas necessidades, nossos ancestrais dão início à era tecnológica. Cada melhoramento introduzido garantia uma vantagem evolutiva, realimentando de alguma forma e acelerando o processo.

Esta é uma mudança significativa nos mecanismos da evolução: além da interação passiva com o meio ambiente, que resulta em modificações lentas nas espécies, passa a existir uma interação ativa, que explica a aceleração do processo evolutivo da raça humana.

Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a diversificação das atividades liberta nossos antepassados, de certa forma, da luta constante pela sobrevivência, cria as condições para toda a sorte de exploração da capacidade de realização alheia e expropriação de recursos acumulados por outrem.

Explico melhor. A luta pela sobrevivência, grosso modo, igualava os indivíduos. Os recursos obtidos eram imediatamente consumidos. Se fossem escassos, poderiam ser objeto de disputa e expropriação. Se fossem abundantes, eram compartilhados, para não se perderem. Alguns só eram conquistados por meio do esforço coletivo.

Relações de competição e de cooperação emergem nesse cenário, e também evoluem, passando a constituir as complexas relações sociais que caracterizam as comunidades humanas, mesmo as primitivas.

A busca por excedentes, plenamente justificável pela ótica da garantia da sobrevivência, dá origem à necessidade de proteger esse excedentes, à cobiça, ao roubo, à ganância, à Economia, em síntese.

Nesta visão, o trabalho se origina na medida da diferenciação das atividades a que se entrega um ser humano para garantir a sua sobrevivência e do seu grupo familiar frente aos demais e dos resultados, qualitativa e quantitativamente apreciados dessas atividades.

Em outras palavras, a atividade humana só passa a ser considerada trabalho se gerar excedentes ao imediatamente consumível e se o resultado do esforço for qualitativa ou quantitativamente diferente a depender de quem o empreenda. Somente nessas condições cria-se o gradiente necessário aos fluxos de recursos que o caracterizam.

KARL X CHARLES Pt. 1


Durante cerca de 64 anos, de 1818, nascimento de Marx, a 1882, morte de Darwin, o mundo contou com a presença simultânea de dois dos maiores pensadores de sua história.

Ousaram dar explicação a temas de abrangência universal: um, à diversidade de formas de vida existentes no planeta; outro, à diversidade de formas que a sociedade humana pode assumir.

Independentemente de qualquer análise crítica, as teorias, propostas na segunda metade do século XIX, tiveram impacto imediato e fizeram sentir sua força ao longo do século seguinte.

Poder-se-ia supor que os modelos propostos revelassem semelhanças, afinidades, legitimação mútua. Poder-se-ia esperar que houvesse contatos, colaboração, comentários recíprocos, não apenas entre seus formuladores, mas também entre seus seguidores.

Em algum momento, Marx chegou a vislumbrar nas teorias darwinistas uma fundamentação na chamada História Natural para sua concepção materialista dialética da História (Humana).

Darwin, ao contrário, não parece ter se impressionado ou particularmente interessado pelas teses marxistas. Talvez porque não pensasse a evolução das espécies como um aperfeiçoamento inevitável, em uma direção previsível, em um processo de certa forma predeterminado. Preferia o termo “seleção natural”, como no título de sua obra máxima: “A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural, ou Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida”

Por esse motivo, dou preferência ao termo “darwinismo”, evitando a conotação algo positivista do termo “evolucionismo”

O desenvolvimento e os desdobramentos do pensamento de cada um seguiu caminhos próprios, não resultando em síntese ou confronto significativos.

Atualmente, o poder explicativo das teses marxistas encontra-se debilitado pelo fato de que, apesar de amplamente debatidas, revistas, reformuladas, seja no seio acadêmico, seja no campo político e ideológico, não terem incorporado respostas para o fracasso histórico do socialismo real.

Já o darwinismo, apesar de amplamente difundido como visão de mundo subjacente às sociedades modernas, ressente-se de não ser levado às últimas consequências, por ter ainda que coexistir, na consciência coletiva, com a visão de mundo criacionista.

A esse respeito, ressalto que a dificuldade acometeu o próprio Charles Darwin: abandonar o criacionismo sem abandonar a ideia da necessidade de existência de um ser criador.

Admitindo não ter conhecimento profundo de uma ou outra obra, pretender fazer uma crítica ao pensamento marxista a partir de uma ótica darwinista é, sem dúvida, uma grande ousadia.

Ainda maior por acreditar estar suscitando questões que, apesar de me parecem óbvias, inclusive em suas consequências, reputo inexplicavelmente inéditas.

Evolucionismo já!

Pelo menos desde a Grécia Antiga, há registros de ideias evolucionistas para explicar a variedade de seres vivos observados na natureza, ou seja, que diferentes tipos de seres atualmente existentes descendem de um ancestral comum, diferente de ambos.

Apoiadas na observação das semelhanças anatômicas e morfológicas entre os seres existentes e em alguma parca evidência paleontológica, ressentiam-se, no entanto, de uma hipótese plausível para explicar os processos pelos quais dar-se-ia a diferenciação.

Não deixa de ser irônico o fato de que a explicação alternativa, que veio a reinar praticamente incontestável desde então, criando e deixando efeitos indeléveis em todas as áreas de atividades e de pensamento, baseava-se na descrição de fatos e acontecimentos igualmente, se não ainda mais, inobserváveis.

A ausência de uma formulação lógico-racional capaz de explicar os processos, inobserváveis empiricamente, pelos quais seria possível a evolução, deixou a humanidade a mercê de uma formulação místico-religiosa que pressupõe um ato onipotente de criação, em algum momento remoto específico.

Somente na segunda metade do século XIX, no seio da sociedade científica inglesa, com destaque para Charles Darwin e Alfred Russell Wallace, o evolucionismo atingiu um nível de plausibilidade científica, tornada possível pelo acúmulo de dados geológicos, biológicos, antropológicos e da chamada História Natural, notadamente os obtidos por eles próprios em suas viagens de exploração ao redor do globo, que solidificou conceito da seleção natural.

As consequências, lembrando que estamos falando de explicações para a existência de todas as formas de vida na Terra, da mudança de um paradigma criacionista para outro, evolucionista, são incomensuráveis, mormente quando se leva em conta que àquele modelo associa-se inerentemente a figura de um ser criador necessariamente onipotente, cuja existência obviamente permeará e impactará toda atividade humana, sendo a espécie humana, por presunção própria, o ápice ou o centro de seus desígnios.

Ao que parece o próprio Darwin debateu-se internamente com o conflito resultante de suas observações, que leva à inevitável reavaliação quanto à existência ou papel do ser criador.

O fato de que, por milênios, os milênios em que se forjaram as culturas, as estruturas sociais, as estruturas de pensamento, a maior parte das visões de mundo e concepções éticas e morais, a sua autoimagem, a humanidade tenha vivido na crença de que o mundo observável não passara por transformações sensíveis, desde seu início, talvez explique porque até hoje, passados mais de 160 anos da publicação de sua obra “Da Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta pela Vida”), a Teoria da Evolução, embora aceita como fato, não seja completamente entendida principalmente em relação aos seus impactos.

O fato é que, sem abandonar ou reavaliar profundamente o conceito de Deus, temos mantido uma barreira que nos impede de reavaliar e entender quase tudo que se produziu em termos conhecimento humano sem as distorções advindas de tão forte e arraigada concepção.