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O professor Desidério Murcho inicia hoje um curso que talvez interesse aos leitores deste blog

Segue mensagem do Professor, que tomo a liberdade de reproduzir para divulgar:

“Queridos alunos

Muitas pessoas me fizeram perguntas sobre os conteúdos do curso remoto que começa amanhã, pelo que resolvi enviar estes esclarecimentos para todos ao mesmo tempo.

Os conteúdos do curso correspondem em parte ao que por vezes se chama “Pensamento Crítico”, que foi um movimento e uma expressão que surgiu nos EUA na década de 70 do século passado. Há inúmeros livros sobre o tema, porque quase todos os cursos universitários, nos EUA, tem uma cadeira de pensamento crítico.

A ideia principal aqui é aprender a pensar melhor. Claro que pensar melhor tem um impacto imenso nas nossas vidas, seja quando tomamos decisões, seja quando assumimos posições acerca de questões políticas, sociais ou filosóficas. Porém, as abordagens mais comuns à aprendizagem do pensamento crítico não são inteiramente apropriadas, do meu ponto de vista — e isso é algo que no decorrer do nosso curso se tornará patente.

O que faremos, então, é usar os últimos desenvolvimentos da lógica e da psicologia cognitiva para oferecer orientações práticas que nos ajudem realmente a pensar melhor. O primeiro passo para isso é compreender, por um lado, vários aspetos lógicos e epistemológicos do raciocínio dedutivo e indutivo (os únicos dois tipos principais de raciocínio discursivo), e, por outro, vários aspetos epistemológicos sobre o raciocínio e o papel que este desempenha nas nossas vidas. Por último, estes dois aspetos não têm grande aplicação prática caso se desconsidere o que se sabe hoje sobre os muitos vícios humanos associados ao raciocínio, e sobre o que conseguimos fazer para limitar drasticamente esses vícios.

Espero que estes esclarecimentos sejam úteis. O curso não pressupõe qualquer formação filosófica ou lógica prévias.

A primeira aula é já amanhã, segunda-feira, às 20:00 horas de Lisboa, 16:00 horas de Brasília. Decorre às segundas e terças-feiras, durante todo o mês de Junho. O preço do curso é de 40 euros (210 reais). Para se inscrever, basta fazer uma transferência nesse valor e enviar-me o comprovante por email (desiderio.murcho@icloud.com). Dados para fazer a transferência:

— Euros —
Wise: BE26 9671 6525 5529.
IBAN: PT50003300000009836207505.
NIB: 0033 0000 000 983 620 75 05 (Millennium BCP).

— Reais —
PIX: 017.459.406-26 (CPF).
Conta-corrente do Banco do Brasil: 19.742-4; Agência: 0473-1 (Ouro Preto).

Caso tenham qualquer dúvida, não hesitem em contactar-me: desiderio.murcho@icloud.com.”

Desidério Murcho https://g.co/kgs/9UeFpB

Verdade X Mentira

Não terá passado despercebido, no post anterior, a suposição implícita de que as capacidades de percepção, reflexão e comunicação aperfeiçoam-se em conjunto durante o processo evolutivo, atingindo o patamar mais alto na espécie humana.

Acrescente-se o adensamento e aprofundamento das relações sociais e temos o plano de fundo do surgimento do erro, do engano, do engodo, da mentira, enfim de todos os desencontros entre realidade, discurso e verdade.

Os primeiros exemplos de percepção da realidade por seres vivos eram tão imediatos quanto limitados. As estruturas responsáveis pela captação de dados do mundo exterior limitavam-se então a receptores químicos ou físicos, agindo por contato. As mesmas estruturas reagiriam a esse contato, desencadeando algum processo favorável ou desfavorável, repelindo ou absorvendo partes do mundo exterior, ou seja, da realidade.

Se a membrana de um ser unicelular percebe, quimicamente, a presença de uma substância necessária a algum processo interno, uma parte de sua estrutura reage permitindo sua absorção.

Tudo isso em uma reação imediata, sem reflexão, consciência ou qualquer processo cognitivo.

Toda informação é captada de forma inequívoca, gerando uma resposta unívoca e irrefletida.

A evolução desse conjunto, paradoxalmente, não traz mais certeza, mas sim incertezas ao ser senciente. Isto se explica porque cada vez parcelas maiores e mais distantes da realidade são captadas.

Conforme aumenta também a complexidade do ser vivo, vemos a separação das estruturas sensoriais daquelas que reagirão aos estímulos, bem como o surgimento de uma outra instância ou estrutura entre elas, capaz de processar os dados captados, associando a eles significados não imediatos, quais sejam, obtidos não por contato com a realidade, mas por dedução, abstração, pressuposição, generalização ou outro processo complexo ocorrido no interior do ser senciente, que passa a ser um intermediário entre a realidade e a sua representação, que se dá em forma de pensamento e, logo, de discurso.

Em cada momento desse processo pode haver distanciamento da realidade, e consequente perda do critério de verdade: na captação, no processamento (reflexão, interpretação, representação), na transmissão.

Estes desvios se dão, originalmente, por limitações nos nossos sentidos, na nossa razão, na nossa linguagem…

A repercussão, porém, destes primeiros erros no seio das relações intersubjetivas vai moldar e modular um complexo ambiente em que a verdade assumirá valores não apenas positivo e negativo, verdadeiro e falso, mas todo um gradiente de tonalidades.

Este processo de aprendizado de como lidar socialmente com erros, limitações, enganos, tem papel essencial na definição das formas de construção de relações de confiança, bem como no desenvolvimento das estratégias de sedução, de condução deliberada por caminhos que não correspondem à realidade, de manipulação.

A humanidade aprendeu a mentir em grande parte para esconder seus erros e limitações e logo aprendeu a obter vantagens com esses mecanismos.

Cada um de nós, em seu processo de socialização, de certa forma reproduz esse aprendizado. Ter clareza desse estado de coisas pode ser útil para moldar nossa sociedade mais apegada a conceitos aderentes ao conceito de verdade, como honestidade, responsabilidade coletiva, confiança e boa fé.

X é culpado pela 100 mil mortes pelo coronavírus no Brasil?

A resposta para essa pergunta é NÃO, para qualquer valor de X.

Nem o próprio coronavírus pode ser acusado com toda certeza de ter causado todas as mortes a ele atribuídas, que dirá uma pessoa qualquer.

Pergunta de má-fé, visa apenas obter a resposta pronta de quem é contra ou a favor X, não acrescenta informação nenhuma apenas exacerba a polarização em torno de X.

Trata-se de pesquisa do Datafolha, veiculada há pouco pela Folha de SPaulo, mas nem vale a pena colocar o link aqui.

As dimensões do argumento falacioso

Ao argumentarmos, sobre qualquer assunto, o que fazemos é buscar explicar com base em que encadeamento de fatos e/ou ideias chegamos a uma determinada conclusão.

Podemos argumentar a partir somente de ideias, a partir somente de fatos ou a partir de fatos e ideias, mas a conclusão será sempre uma ideia, nunca um fato.

Aos fatos e ideias trazidos para fundamentar uma argumentação chamamos premissas.

A conclusão de um argumento pode ser usada como premissa em uma argumentação subsequente.

Para que um argumento seja válido, ou seja, para que sua conclusão seja verdadeira, é necessário que todos os fatos e ideias em seu interior sejam verdadeiros.

Se alguma ideia utilizada como premissa na argumentação for a conclusão de uma argumentação anterior, terá seu valor de verdade condicionado à validade desta.

Mas, apesar de necessário, não é suficiente que os fatos e ideias usados como premissas sejam verdadeiros para que a conclusão do argumento seja verdadeira.

É necessário também que o encadeamento, as relações entre essas premissas respeitem os critérios da lógica formal, traduzidos no uso da linguagem verbal de forma clara e inequívoca.

Falácias são aqueles argumentos cuja conclusão não se sustenta logicamente em suas premissas.

Não é necessário supor que por trás da falácia exista uma intenção de falsear a verdade. A deficiência pode dever-se ao desconhecimento do real valor de verdade dos fatos e ideias empregados na argumentação, ou em erro na sua lógica interna, sem que haja má-fé.

A ma-fé evidencia-se quando, ao ser confrontado com possível falha de sua argumentação, o autor:

  • nega-se de pronto a reavaliá-la
  • apressa-se a apresentar novos argumentos, ao invés de defender o argumento atacado
  • utiliza-se, nestes novos argumentos, de fatos de difícil comprovação
  • abandona os fatos ou passa a privilegiar o uso de ideias nas suas premissas sem, no entanto, demonstrar sua validade
  • apela para argumentos cada vez mais claramente falaciosos: apelo a força, a piedade, a consequências, a preconceitos, a emoção; fuga de assunto e ataques pessoais.

LEIAM O GUIA DAS FALÁCIAS

Guia das Falácias

Demonstrar a fragilidade de um argumento é bem mais simples do que parece. Sobretudo, é muito mais fácil e proveitoso do que investigar e tentar provar as intenções da pessoa ou grupo de pessoas que o elabora, sustenta, defende ou dissemina.

O que torna um argumento frágil? O principal mal de que padece uma argumentação é a presença de falácias em seu interior. Essas falácias assumem diversas formas e se inserem nos argumentos como um vírus, contra o qual a maior parte da população não tem imunidade.

Ao contrário da pandemia, para combater a pandemídia devemos não usar máscaras e não podemos simplesmente lavar nossas mãos.

O Guia das Falácias, de Stephen Downes, com tradução e adaptação de Júlio Sameiro pode não ser a panaceia, mas não tem contra-indicações nem efeito colaterais nocivos. Pode ser usado sem parcimônia para detectar e evitar a propagação destas pragas!

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